quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Noite de um feriado em novembro



            Noite, noite parada de um feriado de segunda-feira de novembro. Tudo muito úmido, o ar frio, mas tudo exsuda. Na 304 norte, num dos prédio com sacadas amplas, quase todas envidraçadas, alguns proprietários ainda preferem o espaço aberto, como nesta varanda suavemente iluminada no terceiro andar. Os jardins transpiram no nível do chão. No terceiro andar, são as copas das árvores, mariposas e insetos, morcegos esvoaçam.
Na varanda do terceiro andar, o silêncio é entrecortado, há conversação, há pausa, riso baixinho. Entre vasos de plantas, afagos no sofá pequeno, um homem e uma mulher, na mesa do canto gelo derretido num copo de uísque, uma taça de vinho pela metade, copos d`água mineral, um cigarro marcado de batom esmagado no centro do cinzeiro, as bocas encontra-se entre os casos que contam um ao outro, as almas aquecem-se no toque recíproco dos amantes.
            No amplexo e no beijo prolongado abrandam as arestas, procuram afastar diferenças. Soltam-se momentaneamente, uma pausa breve. O homem diz então:
            ­— Meu corpo é torpe.
            O da mulher não. Seu corpo construiu-se no espaço dos quarenta e três anos. A curva suave do abdomem, quadril e cintura, coxas e peitos, ombros, impõem a postura altiva e equestre. O arco do pescoço à nuca opõe-se no perfil ao sinuoso que desce da raiz dos cabelos ao nariz, mais largo que proeminente, aos lábios grossos de sorriso aberto em língua e dentes, até o queixo. A pele negra bem tratada, à mulher apraz-lhe a estética sensorial que encontra nas coisas, nos sabores, na cor lilás sobre os lábios ou no verde suave da maquilagem sobre as pálpebras, no tato do tecido e de seus vincos e dobras, nas sombras e na luz feérica do ambiente.
Ela admira com a mesma intensidade, ou mais, ela frui o corpo do homem, então seu homem, o descuidado físico dele, uma dozena de anos a mais que dela, também uma construção, paulatina e cotidiana, realizada sem descanso. Os vincos e dobras desse corpo grisalho lhe agradam, indicam-lhe que esse homem está vivo, e que tudo o que ele mastiga e bebe, que seus convexos, do ventre, das costas, mostram muito de sua presença no mundo, tanto quanto o gesto com que ele lhe toma entre palavras e abraço resoluto, o gesto ousado que ele tem de tomar para si o que deseja.
            O homem tem os pelos dos braços e do corpo grisalhos, na barba e sobrancelhas mostra tufos negros. A pele malhada de sol parece muito clara perto da mulher, o nariz de base larga, curto e reto sobre lábios grossos. O homem é largo e, embora nem os braços sejam longos nem as mão grandes, envolvem a mulher como se ela fosse pequena e ele, muito grande.
            — Mas você aceita uma mulher bem tratada.
            Ele corre as mãos, os dedos, pelos braços dela, toma-lhe do pescoço como se tomasse uma taça, toma da libação de sua boca. Depois disso os corpos se misturam, ele a traz para si, fá-la sentar-se à cavaleiro, movimentar-se. A mulher faz uma pausa, ergue-se, sem movimento brusco, sem abandonar o posto, abre o vestido, desprega o sutiã. Abre-lhe o zíper, libera o membro, apalpa, massageia-o, afasta-se, mas só um pouco. Chupa-o. O homem segura-a com firmeza pelos cabelos da nuca, toma-lhe um seio na mão, fá-la retornar à cavaleiro. Mas não. A mulher se desfaz do vestido, afasta um pouco a calcinha, leva o sexo à boca dele. Então volta-se de costas para ele, senta, cavalga.
            Gemem baixo. Até que a mulher estremece. O homem a exorta. Mas a mulher para. Levanta-se, tira a calcinha, vira-se para ele. Fá-lo tirar a camisa. Frente a frente, torna a sentar, retoma. O homem, com as mãos na carne morena da sua bunda, não deixa que ela cesse. A mulher não cessa. O homem a alcança. Trava-lhe da cintura contra si, geme grosso. A mulher ajuda-se com os dedos, estremece de novo, ou quase. Beijam-se. Agrada à ela o roçar da barba.
Não se despegam. O homem lhe alcança um copo, é a taça de vinho o que ele alcançou, e lhe estende. Antes de devolver a taça, ele pede o que restou. A mulher abre o sorriso.
— Você é também um sensualista.
Desmonta, deita-se sobre ele. Apertados no sofá pequeno e estreito, os braços do homem a envolvem. É fresco, muito úmido o ar que vem de fora. Deixou-lhes, com o calor do movimento, a pele pourejada.
            Uma centopéia sobe o pano do sofá, mariposas pequenas na órbita da lâmpida encandescente, nenhum deles pensa em nada. Concentram-se no mundo sensorial que os cerca. A mulher gostaria de um cigarro, mas aguarda. Lentamente acomodam-se, a mulher fecha o sutiã, veste a calcinha, acerta no corpo o vestido. A mulher acomoda o membro na cueca, fecha a braguilha. Ela tem prazer em fazê-lo. O homem aprendeu a conhecer-lhe o gosto, colabora com a atuação dela.
            Esses prazeres simples que ambos se dão não impedem o incômodo que a individualidade de cada um ordena. A consciência ressalta as diferenças. Afasta deles o cotidiano, a vida comum. Por isso, não conversam sobre a última viagem do presidente Lula, sobre a proposta brasileira de modificar o padrão dólar para o G-20 na Coréia, nem sobre os canteiros e jardins abandonados pelo governo do DF, abandonados tanto quanto, calamitosamente, a rede pública hospitalar. O noticiário foi apagado quando ele chegou.
            Refeitos, sem acordo prévio, sem discussão de relacionamento, com amor, com carinho, despedem-se, na chama do abraço morno, bocas coladas. O homem entra no elevador. A mulher recolhe-se, chaveia a porta.
No térreo, o homem caminha até a entrada da quadra. Uma carroça vem pela pista vazia. O condutor, de súbito, impõe ao cavalo dobrar para a calçada. O bicho curva-se arredio para fora da pista, sacode a carroça, distanciam-se. O homem chega ao ponto, acorda o taxista de plantão.