por
Alex Cojorian
Foram cinco perguntas que preparei para
cada poeta, com foco em suas produções, na tentativa de encontrar um paralelo
entre suas vivências e a criação, a existência de Brasília. Era um
esquentamento para a roda de poesia que aconteceu em julho de 2010, durante o X
encontro bienal da BRASA (Brazilian Studies Association). A entidade de
brasilianistas optou por realizar o evento em Brasília, no mesmo ano em que a
Capital comemorou seus primeiros 50 anos.
6.8 Destaque: Roda de poesia
brasiliense
Organizadora: Cristina Ferreira Pinto-Bailey, Washington and Lee University
Coordenador:
Alex Cojorian
Leitura/Performance
de Poesia:
Nicolas
Behr,
Antônio Miranda,
Astrid Cabral, Angélica Torres
O tomá lá dá cá começa com ASTRID CABRAL:
1. Astrid, sua trajetória passa pelo
estabelecimento do espaço da voz feminina na poesia brasileira. Ou seria antes
o espaço de uma voz íntima?
Acho que a minha
trajetória passa pelos dois espaços, tudo dependendo do livro. A voz feminina
pode ser mais ouvida em Lição de Alice,
enquanto que a interior está mais presente em Rasos d’água (e no inédito Íntima
fuligem). Há momentos mais confessionais em que falo em meu próprio nome e
outros em que assumo uma perspectiva mais distanciada e, portanto, coletiva.
Aliás, como estou mergulhada na vida até o pescoço, pode-se detectar em minha
poesia o regional e o universal, o erótico e o filosófico, o subjetivo e o
social. Há de tudo: a observação realista do presente, a nostalgia do passado
perdido, as interrogações sobre o mistério do futuro.
2. Depois de Rasos d'água, um livro, belo, sofrente, laureado, o que você publicou
(esparsamente ou em livro, o que vc considerar mais relevante)?
Depois de Rasos d’água,
publiquei Jaula e Ante-sala. Já entreguei à Ibis libris os
originais de Palavra na berlinda.
Também já reuni num livro de mais de 500 páginas, Sobrescritos, rastro de leituras, tudo que venho rabiscando no
campo da crítica literária. Houve um convite para publicação, da Editora da
Universidade do Amazonas, mas com a mudança na política editorial, não sei o
que vão fazer. Tenho um convite para ir a Manaus para receber uma condecoração
na Câmara e relançar a 2ª edição ampliada do Intramuros, ainda este ano. Vou
ver se consigo um contato na editora para saber se ainda há interesse.
3. Sua carreira literária, bem como sua
produção, nesses últimos anos tem se consolidado e se projetado, nacional e
internacionalmente, não? Pode falar um pouco sobre isso?
De fato, Alex,
ultimamente venho encontrando um reconhecimento que me surpreende. O que posso
dizer é que tem sido em função da minha poesia e não de administração pessoal. Sou pessoa de natureza
tímida, recolhida. Só vou onde sou chamada. Mesmo assim fui convidada a
participar da FLIP em 2006. Nesse mesmo ano recebi convite para a semana
poética internacional no Dickinson College em Carlyle, PA. Em 2008, lancei Doigts
dans l’eau, livro bilíngüe com ilustrações de arte no 26º Marché de Poésie em
Paris, bem como participei como representante do Brasil no congresso
internacional Bridges to the world, na Universidade de Chatham, Pittsburgh, PA.
Além disso, apresentei com o meu tradutor leituras bilíngues do livro
Jaula/Cage, em oito universidades da New England e no congresso de tradutores
literários da ALTA em Minneapolis, MN. Em 2009 fui convidada a representar o
Brasil no Encontro de poetas ibero-americanos em Salamanca, Espanha. Também fiz
leituras de Cage na Universidade de Southampton na Inglaterra e no Centre
Culturel de Tinqueux na França. Em setembro deste ano farei leituras poéticas
em três cidades baianas :Salvador, Jequié e Maracás. O tradutor Alexis Levitin espalhou
poemas meus em mais de vinte revistas norte-americanas. Só ano passado
participei de cinco antologias.
4. Em que pontos você acha que essa
questão de um espaço do feminino na produção literária nacional toca a
construção do projeto de modernidade do século XX (que parece ter Brasília como
um de seus emblemas)? Ou vc acha que essas coisas são independentes e não se
tocam?
Realmente, a presença
das mulheres é cada vez mais notada no cenário brasileiro. Sabe a coleção da
Global enfocando a poesia brasileira por décadas? Na de 40, apenas comparece
uma única autora. Já na década de 70, comparecem 14 autoras. A antologia que o
Pedro Lyra organizou para a década de 60, já incluia 12 mulheres. Eu atribuo a
presença da mulher na vida cultural à uma conseqüência da sua liberação no
campo da reprodução biológica. A pílula anticoncepcional permitiu que a energia criativa fosse canalizada para
outros setores.
Acho que Brasília,
importantíssima na questão da interiorização do Brasil e na convergência
nacional, nada tem a ver com a expansão cultural da mulher brasileira. Penso
que esta teria ocorrido mesmo sem a nova capital.
5. Como foi que Brasília participou da
sua vida? E em que ponto essa vivência influiu na sua produção? Poderia mostrar
alguns exemplos da sua poesia?
Minha mudança para
Brasília, em 62, deve-se tanto à fascinação do idealismo e da aventura quanto a
problemas graves vivenciados no dia a dia carioca, que me empurravam pra fora.
Os anos que aí morei até 1970 foram de luta total. Com as quatro crianças
pequenas, as responsabilidades da luta acadêmica (além das aulas como auxiliar
de ensino, que mudavam de matéria a cada semestre, e dos cursos para o
mestrado) eu não dispunha de pessoas competentes para me ajudarem nas tarefas
domésticas, assim nunca me sobrou disponibilidade para a entrega poética. Eu
trabalhava 16 horas por dia e não tinha folga nos fins de semana. Só quando
voltei à Brasília de 91 a 94, já com os filhos criados e apenas com o trabalho
na UnB, é que pude escrever alguns poemas soprados pela atmosfera brasiliense.
5 perguntas para ANGÉLICA TORRES:
1. Angélica, você está com um livro
novo. A temática deste segue no caminho do que você já fez anteriormente ou
segue outro caminho?
Está saindo
mais um, Luzidianas, dentro da
Coleção OiPoema, com mais cinco poetas, entre eles Turiba e Nicolas. A temática
é preponderantemente a mesma, variada, mas alinhavada de modo diferente, em luz
e sombra de fenômeno físico e existencialmente falando.
2. Você poderia listar algumas de suas
mais recentes publicações, participações, e mesmo atividades que vem
realizando?
Saiu em
maio, agora, uma antologia que organizei com o material do Tributo ao Poeta
2009, aquele evento que produzi e coordenei para a BNB no ano passado. Lá na Biblioteca
Nacional foi também onde participei da organização e produção da I Bienal
Internacional de Poesia de Brasília (I BIP), em 2008, e antes de ir para a UnB
atuei também no início da produção da II BIP, que deve acontecer este ano
ainda.
3. Como você, que
é de Ipameri, se vê inserida nas vozes que falam nestes 50 anos de Brasília?
Acha que há uma continuidade das vivências e discursos do centro-oeste para a
pluralidade de vozes que Brasília significa? Ou você se sente um tanto
estrangeira?
Que pergunta maneira, nunca tinha pensado nisto assim colocado, Alex.
Mas posso dizer que percebo que os escritores de todos os cantos do Brasil
colocam suas raízes recentes e ancestrais na vivência deles aqui, e isso
resulta numa conversa desfiada de diversos sons e distâncias, e tramada de
novo, que mostra a bem-querência mútua, deles e desta região do Centro-Oeste,
em cuja redondeza nasci (é Ipameri sim, indígena, bonito o nome, não?).
Não sei como vc coloca essa questão de eu me sentir estrangeira...
Escrevi alguma coisa sobre a cidade no Sindicato
de estudantes, o primeiro livro; ela é forte, ela entra nas divagações e
perplexidades da gente, é fatal escrever sobre Brasília, mas no meu caso ela
logo passou para um segundo plano, ela entra no poema ainda, mas como cenário,
ponto geográfico que indica onde ela se situa naquela escrita. Acho que
estrangeiros vão se sentir sempre os que não nasceram aqui.
Brasília era esquisita no começo, vim pra cá nos anos 60, e ainda tem
muita esquisitice nela. Há algo de ET, estrangeiro mesmo, da gente pra com ela,
por mais que se seja vizinha de nascença e que se goste – ou não, mas que se
tenha acostumado com ela.
4. Você acha que a
sua poesia, que traz uma voz, uma visão feminina, intimista, foi beneficiada
com o projeto de modernidade que se propôs para Brasília? Ou que sua produção
se realizaria mais ou menos igualmente em outras circunstâncias, em outras
cidades e vivências?
É difícil se ver num circuito muito próximo. De fora pode ser que eu
soubesse te responder isso, e até acertar o prognóstico. Isso é preocupação de
estudioso, Alex, não é a minha, desculpa.
5. Nunca houve
tanto espaço e produção tão variada – da criança, do desfavorecido, do cantador
etc etc - como nos dias que correm, mas principalmente o espaço do feminino, da
produção poética e artística da mulher, se estabeleceu. Como você, poeta, vê
esse panorama?
Alex, o Dicionário crítico de escritoras
brasileiras, da Nelly Novaes Coelho, mostra que a atuação da mulher na
poesia tem sido pulsante, ao longo dos ultimos trezentos anos. Talvez agora se
tenha mais é canal de divulgação. E o mundo dos homens está dando um pouco mais
espaço para ela aparecer. A mulher é bicho que rala, trabalha muito sempre,
então não seria diferente na literatura e na arte em geral.
E como você se vê
dentro dessa realidade?
Eu faço parte dessa história aí.
Por fim, NICOLAS BEHR:
1. Nicolas,
você engoliu Brasília. Não só plantando e criando mudas, mas hoje em dia há
teses e livros sobre sua produção, e você já até está publicando
"oficialmente", isto é, livro com editora. Como é isso?
Acho que não dá pra ficar eternamente
dormindo em leito marginal. Fiquei feliz com o livro pela editora, fiquei feliz
com as três teses de mestrado, fiquei feliz com o livro Eu engoli Brasília, que o Carlos Marcelo escreveu. Só que pro poeta
a felicidade tem que ser clandestina, é politicamente incorreto para o poeta
ser feliz.
2. Você é tão incansável na sua produção
que já até se confunde falar de Nicolas e falar de Brasília. Pra você, que veio
de Diamantino, o que significou Brasília? Significou espaço para a sua poesia,
ou foi antes agonia, bloqueio, com a geometria da cidade, que fez com que você
pusesse a sua palavra no papel?
Para chegar ao prazer temos que
passar pela dor, ou vice-versa. Agradeço todos os dias por minha mãe ter tido a
idéia de virmos para Brasília. Essa cidade enigmática, nova, revolucionaria, e
ao mesmo tempo arcaica, medieval (a cruz de Lúcio Costa é a cruz dos templários
– que financiavam as expedições dos descobrimentos, com novo nome – a Ordem de
Cristo – e ele colocou uma cruz para ali marcar um lugar, como se diz no
relatório do Plano Piloto, bem no inicio). Tudo o que sou devo a Brasília. Pago
minha dívida com versos, mas ela não aceita, quer sangue.
2. Niki, a
sua poesia tem muito a ver com a sua própria presença: faz muito mais sentido
vê-lo dizendo os poemas, vê-lo na rua, em eventos de todos os tipos,
participando ativamente da vida da cidade, do que apenas ler, em casa, quietos,
os seus livros. O que você pensa sobre isso?
Ih, então quando eu morrer o que vai ficar
da minha poesia? Espero que fique alguma coisa, pois você sabe, criamos na
ilusão de podermos vencer a morte. Te confesso que não gosto muito de ler meus
poemas, são curtos demais, e prefiro que as pessoas os leiam deitados no sofá,
numa tarde de sábado, com chuva.
3. Sempre
vi você entre dois pólos: o do Drummond e o do Chacal. Claro que há muitos
outros poetas que te tocam, como Manuel de Barros (mas nessa discussão eu o
coloco no time do Drummond). De um lado, a poesia com P maiúsculo, oficial até,
do outro, a rua, a poesia marginal. Como é que você se entende no meio disso?
Drummond e Chacal, dois poetas que
muito me influenciaram, e eu me orgulho muito disso. De ter tido essa sorte
(rs). Cada poeta que chega coloca um jeito novo de escrever como quem diz: eu
escrevo assim. Meu jeito de escrever é assim... e os outros poetas olham e
dizem, ah, que interessante... e dessas confluências (mais que influências,
como dizia o Mário Quintana) é que nascem os novos poemas. Mas te digo uma
coisa: a tradição é alimentada por tentativas de rupturas da tradição. Nada
mais tradicional que negar a tradição.
5. Continuando a pergunta anterior: como
é sua relação com a poesia e os poetas mais "velha guarda" – vou
citar só três: Anderson Braga Horta, Mendes Vianna e Cassiano – e academias
(infinitas) de Brasília?
Gosto de alguns poemas do Anderson
Braga Horta, que salva a poesia pós-parnasiana ainda praticada em Brasília. Li
uns poemas sobre a chegada dele em Brasilia e aquilo me satisfez, não precisei
ler mais nada. O Cassiano Nunes tem um poema do cão que o acompanha na W3 que
eu gosto. O Fernando Mendes Vianna, que era meu amigo, praticava uma poesia
longe do que ele era de verdade.
5. Você
presta atenção em RAP ou outras produções "não-oficiais"?
Acompanho, de longe, gosto. Tem
coisas interessantes. Mas acompanho como todo mundo acompanha.