sábado, 10 de maio de 2014

O piano andou bebendo...


 
            — Você vai fazer uma performance?
Haha... Não, por quê?
A sua saia, de plástico.
Não, realmente. Eu gosto de moda. Eu mesmo faço as minhas roupas.
Eu gosto. E também da blusa de tule e das tatoos.
— Obrigada. Muito legais essas bonecas nas bolhas de plástico, né?
O que são?
— É o lançamento de um livro objeto, As aventuras sujetivas de Bjork.
Acho que a artista é minha amiga.  você desenha roupas ou algo assim?
Também. Eu fiz psicologia, trabalhava com psicodrama, adoro. Mas gosto de comida. Você provou esse patê de pato?
Sim. Tem de porco também. Muito bom.
Daí resolvi fazer um curso de gastronomia. Eu gosto de cozinhar, fazer os pratos.
Hum.
Mas eles ficam muito na teoria. Muita leitura, pouca cozinha. Larguei.
É. Chato.
Eu não como carne de boi. Não tem gosto! Eu gosto de porco. Bacon!
Hum... tente o patê de porco, está ótimo. Vamos tomar mais um pouco de espumante. Que mais você faz?
Gosto de experimentar os restaurantes.
Talvez possamos experimentar algo juntos.
— Sei tocar piano.
Sério?
Até hoje tenho o piano em casa.
Ainda toca?
Claro. Amo. Mas não pratico muito.
O piano. Dizem que quando Satie se foi, encontraram em seu quarto  um piano desafinado e de cordas quebradas... Uns dias atrás ouvi uma história... Um casal muito simpático, um americano e uma sino-brasileira. Eles tem andado por aí. Mudaram-se para cá vindos do Uruguai. Eles, lá, estavam procurando por um piano. Um piano de parede, como o seu. Mas então encontraram esse piano de cauda curta, um baby piano, como eles se referem. Foi amor à primeira vista. Ocupou a sala toda.
Uau.
Mais tarde, quando vieram para Brasília, foi difícil trazê-lo. Esse piano está qualhado de sentimento dentro dele... Pertenceu a uma famosa dançarina russa.
De verdade?
Um diplomata uruguaio a conheceu na União Soviética. Apaixonaram-se. Ela abandonou o palco. Acompanhou-o. E trouxeram o piano para o Uruguai.
Está quente, o espumante acabou.
No final, ela teve um câncer irremediável.
...
Eles fizeram um acordo. Ela a envenenou, para que ela não sofresse. E suicidou-se em seguida. Ficou o piano.
O piano... “the piano has been drinking... not me”
Essa música, bonita e triste. Não combina muito, está barulhento, o vernissage ainda não acabou, você não performará... ficamos sentimentais... http://www.youtube.com/watch?v=BPPtrqvHGEg

terça-feira, 31 de julho de 2012

Ah, O Amor


 
Alex Cojorian

Jovem casal no super.

Ele: “Acho que nesta quinzena é hora de comprar café.”
Ela: “Eu já peguei, amor.”
Ele: “Hum... Não era melhor o médio?”
Ela: “Mas café não estraga. Você acha melhor?”
Ele: “Você pegou o extra-forte.”
Ela: “Ah... você não gosta?...”

Ah, o Amor. O frescor da juventude, a plenitude sem nenhuma das armadilhas que o futuro engendra, a entrega sem nenhum dos lances de xadrez mental para onde as relações terminam por moldar-se!

Mais tarde, alguns, muitos, mesmo os amorosos, findarão por abandonar o jogo, agastados, esgarçados, em frangalhos pela refrega. Outros, poucos, talvez acompanhem o movimento da efígie ensimesmada do Freud, a súbita condição de impotência, a escolha pela condição de observador incondicional, o prazer particular na descoberta das engrenagens. E apenas o poder que emana do charuto entre os dedos.

Lawrence, nosso caro, amado e torturado D. H. Lawrence, chegou, por seus próprios percalços, amorosos e dolorosos, ao mesmo beco do ensimesmamento; ele, de rompantes e extremos, do amoroso idealista ao intratável e agressivo, sentindo-se impedido, falido, para os combates de Vênus, fez por sublimar sua condição no testamento amoroso que é Lady Chatterley, sem deixar de crer, por um só momento, em amar, espírito e foda.

Apesar do achado de Lawrence, ainda assim, sublimar não é bem um feito que se associe a prazer; parece mais com suprimir: insensibilize-se, cauterize-se o órgão desejante, estanque-se a dor! E aquele jovem casal rapidamente será uma miragem, um devaneio que nada trará de sublime simplicidade aos indiferentes e achacados ex-combatentes de coração empedrado que por entre o casal se esgueirem, mais preocupados com a mesquinha contabilidade doméstica e cotidiana.

Quem sabe nessa hora tenebrosa, tudo insensibilizado pelas luzes fluóricas, o sabor da vida se convertendo em metálicos enlatados, ressonasse dos auto-falantes desse grande galpão a voz séria, triste e jocosa:

Sei que é doloroso um palhaço
Se afastar do palco por alguém
Volta, que a platéia te reclama
Sei que choras palhaço
Por alguém que não te ama
Enxuga os olhos e me dá um abraço
Não te esqueças, que és um palhaço
Faça a platéia gargalhar
Um palhaço não deve chorar

Entre as prateleiras e seções, frios e congelados, plásticos e embutidos, xampus e desodorantes, uma lágrima rolasse, corações tocados pelo Nelson Cavaquinho, e se desse uma coreografia dos carrinhos e transeuntes, conversa nenhuma, só arrebatamento e gesto, despojamento e tensão dramática, toque e entrega entre desconhecidos de qualquer sexo, cada um se reinteirando em cálida presença, em meio a verduras e queijos, o sentido da pele, o reflexo dos nervos e dos músculos em meio a tomates, pães, temperos.

No centro desse movimento, entre frigoríficos, garrafas, carnes, peixes, aves expostas, o jovem casal, na sua alegria leve, sem nada a entender.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Leca e Verô


            Esteve seu governador inaugurando o novo centro de atendimento a moradores de rua – Centro POP. Chamou imprensa, ministros e secretários, e disse que a partir de agora ninguém ficará largado na rua no DF. O centro de atendimento fica junto do Parque da Cidade, o serviço foi deslocado do prédio do Touring, ao lado da Rodoviária, para fora do centro – o que faz lembrar de quando desativaram o postinho da Civil na Rodoviária, que, mais que delegacia, tinha uma força de ação social muito grande. Retóricas à parte, convidaram também os usuários do serviço. E quem veio foi Leca. Veio com o namorado, toca na cabeça, a mochila cheia de gatos. Metro e oitenta, morena e bem magrinha, usuária de tiner desde a infância. Banharam-se, e ela foi à tenda de salão de beleza que estava montada para o dia.
            Quando soube que seu governador estava lá, disse que também queria falar ao microfone, que tinha que fazer elogio, que ele estava melhorando a vida de quem tá na rua. Foi Verô quem prestou atenção, e resolveu abrir espaço entre as “otoridades”: ninguém melhor para falar daquela ação senão quem dela usa. Então, chamaram: “Quem vai falar agora é Leca, usuária do Centro POP”.
            – Boa tarde a todos, meu nome é Robismar e eu vivo na rua. Comecei a trabalhar na rua quando era criança, eu e meus irmãos. Minha mãe mandava pedir dinheiro e vender chiclete no ônibus.
            E declamou aquele toada rimada que ninguém tem paciência.
            – Era tudo mentira isso que a gente falava, mas eu terminava dizendo que “quem quiser dar de bom coração eu aceito, e quem quiser dar de mau coração eu aceito também”.
“Eu tinha outras coisas pra falar mas o tiner dissolveu meu pensamento. Eu quero agradecer a seu governador por essa coisa boa que está fazendo, o SUPER POP.”
            Verô é quem está nesse trânsito tortuoso entre os que não tem voz e os que só tem discurso. Quem está no chão, chapado, deve ter a impressão de sonho ao ver essa mulher se materializando, pernas e peitos, boca e cabelos,  seu sorriso e voz convocando para alguma coisa.
            Seu governador, despachada a cerimônia, subtraía-se do Super POP, quando ouviu a convocatória dessa essa voz e sorriso que levanta o povo da calçada: “Governador, não vai dar um abraço na sua eleitora antes de partir?” Ele tornou para Verô, foi Leca quem correu pro abraço, e bem que tentou lhe tascar beijo.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Breve perfil de Milton Cabral e Babinski







            Encontrei, uns dois anos atrás, por acidente, Milton Cabral e Babinski tomando café na Livraria Cultura; estava também um filho do Babinski, acho que fotógrafo, Milton bastante emagrecido e debilitado, o lado esquerdo, especialmente o braço, quase paralisado; ainda assim, com sua comum disposição jovial, algo aristocrática, o aperto de mão forte, o sorriso quadrado e cheio de dentes que tanto o caracteriza, a voz tonante carregada no sotaque do Nordeste, elementos que tantas vezes me fazem rir ao rever sua imagem – pra mim era vê-lo aproximar-se e lembrar-me de súbito do alemão e sádico marido de Martha, do Fassbinder: “Meu querido!”

Dizem que foi discípulo de Barthes; dizem que nasceu em Natal, mas que cresceu em Fortaleza; dizem que se graduou em Letras na UFG, que deu aulas no departamento de Comunicação da UnB, que dirigiu o curso de Desenho Industrial na mesma instituição, que fundou o curso de Comunicação e o mestrado na PUC/DF; dizem até que ele mentia um bocado, ou melhor, que era esguio, se esquivava; que era vaidoso e usava cremes para a pele; que sempre trocava a idade, e assim os hagiológios ora o deram por potiguar ora por cearense,  sem saberem ao certo se encetou sua viagem, pouco depois de nosso encontro, aos 75 ou aos 64; em algum momento ele se tomou de estima pelo controverso Humberto Haydt e andou pelo Colégio Freudiano de Psicanálise de Brasília; tinha um consultório em cima do Café Martinica, e costumava, já à noite, vir beber no balcão e, dizem também, comentar seus atendimentos, espairecer a cabeça no mesmo balcão. O Martinica nunca foi nenhum Cabaré Voltaire mas, ainda que ninguém entrasse chicoteando, mesmo assim muitas vezes saía-se chicoteado com as conversas insanas alimentadas pelas goelas sedentas, mesa ou balcão.

Fora talvez um ditador idiossincrático em sala, eu não saberia dizê-lo; sei que foi, desde sempre, simpático à minha figura; nossas conversas costumavam girar sobre temas eruditos, ele um curioso perguntador, cioso das minhas produções, especialmente dos livros de gravuras das Edições Civilização Arcaica (http://goo.gl/wTlF1); de seus comentários sempre restava uma borra de invectiva contra a chusma ignorante. Nesse dia Babinski estava bem feliz e falador, e me segurou na conversa o máximo que pôde. O polonês, entre seus amigos de idade mais próxima, abandona o tom de aconselhamento professoral – seus alunos o amam como ao mestre mais querido, ele tem opinião sobre tudo, e todos têm alguma frase ou passagem para relembrar daquele dia em que buscaram seu parecer –, e passa a contar casos e a fazer anedotas, ele próprio sendo o primeiro a rir – nos últimos tempos vem com uma piada de bolso de húngaros para mim: “você conhece o doutor Pícoch no cu?” Uma vez perguntei-lhe por que não ficou em Montreal nos anos cinquenta, naquela cena de jazz e arte florescente, ele respondeu qualquer coisa como: “Eram uns babacas, era tudo muito comportado”. Aliás, naquele seu livro de entrevistas (aqui, com suavidade: http://goo.gl/FvfUb), ele diz claramente que escolheu vir para Uberaba, que escolheu juntar-se com mulher negra, porque queria estar do outro lado – mas ele, muito branco, polaco, largo e comprido, a cabeçorra, ele não falou das leis da atração... A preferência pela gravura, pela arte menor, de antemão uma escolha para fora do caminho?

Finalmente levantei-me, ficaram ambos, o gravador libertário e o sado-psicomunicólogo – mas de fato, a seu próprio modo, outro libertário –, todos visivelmente realizados com o encontro.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

5 perguntas para Astrid Cabral, Angélica Torres e Nicolas Behr, por ocasião do X encontro da BRASA (Brazilian Studies Association), quando dos 50 anos de Brasília, em 2010.



por Alex Cojorian

Foram cinco perguntas que preparei para cada poeta, com foco em suas produções, na tentativa de encontrar um paralelo entre suas vivências e a criação, a existência de Brasília. Era um esquentamento para a roda de poesia que aconteceu em julho de 2010, durante o X encontro bienal da BRASA (Brazilian Studies Association). A entidade de brasilianistas optou por realizar o evento em Brasília, no mesmo ano em que a Capital comemorou seus primeiros 50 anos.


6.8 Destaque:  Roda de poesia brasiliense
Organizadora: Cristina Ferreira Pinto-Bailey, Washington and Lee University
Coordenador:
Alex Cojorian
Leitura/Performance de Poesia:
 Nicolas Behr,
Antônio Miranda,
Astrid Cabral, Angélica Torres


O tomá lá dá cá começa com ASTRID CABRAL:

1. Astrid, sua trajetória passa pelo estabelecimento do espaço da voz feminina na poesia brasileira. Ou seria antes o espaço de uma voz íntima?

Acho que a minha trajetória passa pelos dois espaços, tudo dependendo do livro. A voz feminina pode ser mais ouvida em Lição de Alice, enquanto que a interior está mais presente em Rasos d’água (e no inédito Íntima fuligem). Há momentos mais confessionais em que falo em meu próprio nome e outros em que assumo uma perspectiva mais distanciada e, portanto, coletiva. Aliás, como estou mergulhada na vida até o pescoço, pode-se detectar em minha poesia o regional e o universal, o erótico e o filosófico, o subjetivo e o social. Há de tudo: a observação realista do presente, a nostalgia do passado perdido, as interrogações sobre o mistério do futuro.

2. Depois de Rasos d'água, um livro, belo, sofrente, laureado, o que você publicou (esparsamente ou em livro, o que vc considerar mais relevante)?

Depois de Rasos d’água, publiquei Jaula e Ante-sala. Já entreguei à Ibis libris os originais de Palavra na berlinda. Também já reuni num livro de mais de 500 páginas, Sobrescritos, rastro de leituras, tudo que venho rabiscando no campo da crítica literária. Houve um convite para publicação, da Editora da Universidade do Amazonas, mas com a mudança na política editorial, não sei o que vão fazer. Tenho um convite para ir a Manaus para receber uma condecoração na Câmara e relançar a 2ª edição ampliada do Intramuros, ainda este ano. Vou ver se consigo um contato na editora para saber se ainda há interesse.

3. Sua carreira literária, bem como sua produção, nesses últimos anos tem se consolidado e se projetado, nacional e internacionalmente, não? Pode falar um pouco sobre isso?

De fato, Alex, ultimamente venho encontrando um reconhecimento que me surpreende. O que posso dizer é que tem sido em função da minha poesia e não de  administração pessoal. Sou pessoa de natureza tímida, recolhida. Só vou onde sou chamada. Mesmo assim fui convidada a participar da FLIP em 2006. Nesse mesmo ano recebi convite para a semana poética internacional no Dickinson College em Carlyle, PA. Em 2008, lancei Doigts dans l’eau, livro bilíngüe com ilustrações de arte no 26º Marché de Poésie em Paris, bem como participei como representante do Brasil no congresso internacional Bridges to the world, na Universidade de Chatham, Pittsburgh, PA. Além disso, apresentei com o meu tradutor leituras bilíngues do livro Jaula/Cage, em oito universidades da New England e no congresso de tradutores literários da ALTA em Minneapolis, MN. Em 2009 fui convidada a representar o Brasil no Encontro de poetas ibero-americanos em Salamanca, Espanha. Também fiz leituras de Cage na Universidade de Southampton na Inglaterra e no Centre Culturel de Tinqueux na França. Em setembro deste ano farei leituras poéticas em três cidades baianas :Salvador, Jequié e Maracás. O tradutor Alexis Levitin espalhou poemas meus em mais de vinte revistas norte-americanas. Só ano passado participei de cinco antologias.

4. Em que pontos você acha que essa questão de um espaço do feminino na produção literária nacional toca a construção do projeto de modernidade do século XX (que parece ter Brasília como um de seus emblemas)? Ou vc acha que essas coisas são independentes e não se tocam?

Realmente, a presença das mulheres é cada vez mais notada no cenário brasileiro. Sabe a coleção da Global enfocando a poesia brasileira por décadas? Na de 40, apenas comparece uma única autora. Já na década de 70, comparecem 14 autoras. A antologia que o Pedro Lyra organizou para a década de 60, já incluia 12 mulheres. Eu atribuo a presença da mulher na vida cultural à uma conseqüência da sua liberação no campo da reprodução biológica. A pílula anticoncepcional permitiu que  a energia criativa fosse canalizada para outros setores.

Acho que Brasília, importantíssima na questão da interiorização do Brasil e na convergência nacional, nada tem a ver com a expansão cultural da mulher brasileira. Penso que esta teria ocorrido mesmo sem a nova capital.

5. Como foi que Brasília participou da sua vida? E em que ponto essa vivência influiu na sua produção? Poderia mostrar alguns exemplos da sua poesia?

Minha mudança para Brasília, em 62, deve-se tanto à fascinação do idealismo e da aventura quanto a problemas graves vivenciados no dia a dia carioca, que me empurravam pra fora. Os anos que aí morei até 1970 foram de luta total. Com as quatro crianças pequenas, as responsabilidades da luta acadêmica (além das aulas como auxiliar de ensino, que mudavam de matéria a cada semestre, e dos cursos para o mestrado) eu não dispunha de pessoas competentes para me ajudarem nas tarefas domésticas, assim nunca me sobrou disponibilidade para a entrega poética. Eu trabalhava 16 horas por dia e não tinha folga nos fins de semana. Só quando voltei à Brasília de 91 a 94, já com os filhos criados e apenas com o trabalho na UnB, é que pude escrever alguns poemas soprados pela atmosfera brasiliense.


5 perguntas para ANGÉLICA TORRES:

1. Angélica, você está com um livro novo. A temática deste segue no caminho do que você já fez anteriormente ou segue outro caminho?

Está saindo mais um, Luzidianas, dentro da Coleção OiPoema, com mais cinco poetas, entre eles Turiba e Nicolas. A temática é preponderantemente a mesma, variada, mas alinhavada de modo diferente, em luz e sombra de fenômeno físico e existencialmente falando.

2. Você poderia listar algumas de suas mais recentes publicações, participações, e mesmo atividades que vem realizando?

Saiu em maio, agora, uma antologia que organizei com o material do Tributo ao Poeta 2009, aquele evento que produzi e coordenei para a BNB no ano passado. Lá na Biblioteca Nacional foi também onde participei da organização e produção da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (I BIP), em 2008, e antes de ir para a UnB atuei também no início da produção da II BIP, que deve acontecer este ano ainda.

3. Como você, que é de Ipameri, se vê inserida nas vozes que falam nestes 50 anos de Brasília? Acha que há uma continuidade das vivências e discursos do centro-oeste para a pluralidade de vozes que Brasília significa? Ou você se sente um tanto estrangeira?

Que pergunta maneira, nunca tinha pensado nisto assim colocado, Alex. Mas posso dizer que percebo que os escritores de todos os cantos do Brasil colocam suas raízes recentes e ancestrais na vivência deles aqui, e isso resulta numa conversa desfiada de diversos sons e distâncias, e tramada de novo, que mostra a bem-querência mútua, deles e desta região do Centro-Oeste, em cuja redondeza nasci (é Ipameri sim, indígena, bonito o nome, não?).
Não sei como vc coloca essa questão de eu me sentir estrangeira... Escrevi alguma coisa sobre a cidade no Sindicato de estudantes, o primeiro livro; ela é forte, ela entra nas divagações e perplexidades da gente, é fatal escrever sobre Brasília, mas no meu caso ela logo passou para um segundo plano, ela entra no poema ainda, mas como cenário, ponto geográfico que indica onde ela se situa naquela escrita. Acho que estrangeiros vão se sentir sempre os que não nasceram aqui.
Brasília era esquisita no começo, vim pra cá nos anos 60, e ainda tem muita esquisitice nela. Há algo de ET, estrangeiro mesmo, da gente pra com ela, por mais que se seja vizinha de nascença e que se goste – ou não, mas que se tenha acostumado com ela.

4. Você acha que a sua poesia, que traz uma voz, uma visão feminina, intimista, foi beneficiada com o projeto de modernidade que se propôs para Brasília? Ou que sua produção se realizaria mais ou menos igualmente em outras circunstâncias, em outras cidades e vivências?

É difícil se ver num circuito muito próximo. De fora pode ser que eu soubesse te responder isso, e até acertar o prognóstico. Isso é preocupação de estudioso, Alex, não é a minha, desculpa.

5. Nunca houve tanto espaço e produção tão variada – da criança, do desfavorecido, do cantador etc etc - como nos dias que correm, mas principalmente o espaço do feminino, da produção poética e artística da mulher, se estabeleceu. Como você, poeta, vê esse panorama?

Alex, o Dicionário crítico de escritoras brasileiras, da Nelly Novaes Coelho, mostra que a atuação da mulher na poesia tem sido pulsante, ao longo dos ultimos trezentos anos. Talvez agora se tenha mais é canal de divulgação. E o mundo dos homens está dando um pouco mais espaço para ela aparecer. A mulher é bicho que rala, trabalha muito sempre, então não seria diferente na literatura e na arte em geral.

E como você se vê dentro dessa realidade?

         Eu faço parte dessa história aí.


Por fim, NICOLAS BEHR:

1.      Nicolas, você engoliu Brasília. Não só plantando e criando mudas, mas hoje em dia há teses e livros sobre sua produção, e você já até está publicando "oficialmente", isto é, livro com editora. Como é isso?

       Acho que não dá pra ficar eternamente dormindo em leito marginal. Fiquei feliz com o livro pela editora, fiquei feliz com as três teses de mestrado, fiquei feliz com o livro Eu engoli Brasília, que o Carlos Marcelo escreveu. Só que pro poeta a felicidade tem que ser clandestina, é politicamente incorreto para o poeta ser feliz.

2. Você é tão incansável na sua produção que já até se confunde falar de Nicolas e falar de Brasília. Pra você, que veio de Diamantino, o que significou Brasília? Significou espaço para a sua poesia, ou foi antes agonia, bloqueio, com a geometria da cidade, que fez com que você pusesse a sua palavra no papel?

Para chegar ao prazer temos que passar pela dor, ou vice-versa. Agradeço todos os dias por minha mãe ter tido a idéia de virmos para Brasília. Essa cidade enigmática, nova, revolucionaria, e ao mesmo tempo arcaica, medieval (a cruz de Lúcio Costa é a cruz dos templários – que financiavam as expedições dos descobrimentos, com novo nome – a Ordem de Cristo – e ele colocou uma cruz para ali marcar um lugar, como se diz no relatório do Plano Piloto, bem no inicio). Tudo o que sou devo a Brasília. Pago minha dívida com versos, mas ela não aceita, quer sangue.

2.      Niki, a sua poesia tem muito a ver com a sua própria presença: faz muito mais sentido vê-lo dizendo os poemas, vê-lo na rua, em eventos de todos os tipos, participando ativamente da vida da cidade, do que apenas ler, em casa, quietos, os seus livros. O que você pensa sobre isso?

Ih, então quando eu morrer o que vai ficar da minha poesia? Espero que fique alguma coisa, pois você sabe, criamos na ilusão de podermos vencer a morte. Te confesso que não gosto muito de ler meus poemas, são curtos demais, e prefiro que as pessoas os leiam deitados no sofá, numa tarde de sábado, com chuva.

3.      Sempre vi você entre dois pólos: o do Drummond e o do Chacal. Claro que há muitos outros poetas que te tocam, como Manuel de Barros (mas nessa discussão eu o coloco no time do Drummond). De um lado, a poesia com P maiúsculo, oficial até, do outro, a rua, a poesia marginal. Como é que você se entende no meio disso?

Drummond e Chacal, dois poetas que muito me influenciaram, e eu me orgulho muito disso. De ter tido essa sorte (rs). Cada poeta que chega coloca um jeito novo de escrever como quem diz: eu escrevo assim. Meu jeito de escrever é assim... e os outros poetas olham e dizem, ah, que interessante... e dessas confluências (mais que influências, como dizia o Mário Quintana) é que nascem os novos poemas. Mas te digo uma coisa: a tradição é alimentada por tentativas de rupturas da tradição. Nada mais tradicional que negar a tradição.

5. Continuando a pergunta anterior: como é sua relação com a poesia e os poetas mais "velha guarda" – vou citar só três: Anderson Braga Horta, Mendes Vianna e Cassiano – e academias (infinitas) de Brasília?

Gosto de alguns poemas do Anderson Braga Horta, que salva a poesia pós-parnasiana ainda praticada em Brasília. Li uns poemas sobre a chegada dele em Brasilia e aquilo me satisfez, não precisei ler mais nada. O Cassiano Nunes tem um poema do cão que o acompanha na W3 que eu gosto. O Fernando Mendes Vianna, que era meu amigo, praticava uma poesia longe do que ele era de verdade.

5.      Você presta atenção em RAP ou outras produções "não-oficiais"?

Acompanho, de longe, gosto. Tem coisas interessantes. Mas acompanho como todo mundo acompanha.