sábado, 30 de outubro de 2010

A três dias das eleições

O homem, sentado na cadeira de armar, sob a aba descaída do chapéu de lona, olha para o nada. Parada a caminhonete entre os carros estacionados no final da comercial da quatrocentos e oito norte, a carroceria aberta, vende pequi. O rádio está mal sintonizado, a transmissão chega-lhe sob muito chiado. Ele não se move.

O fim da tarde anuncia o verão próximo; num céu de manchas escuras, o sol entra com força. Luz e claridade. A rua está movimentada. Gente que entra e sai do supermercado. A nuvem de fumaça do churrasquinho, o aglomerado de gente em volta. Pimenta, farinha, cerveja. A mistura de classes, engravatados, pés de chinelo, mães e crianças, estudantes, muitos estudantes.

Trânsito de automóveis, motos, o tumulto da hora de saída, o sinal, a faixa para o pedestre. E os pedestres, as mesas de lata pela calçada por toda a comercial. Pelos bares rua acima.
Entre chiados, o homem ouve o rádio, acaba de se iniciar a Voz do Brasil. O homem ouve os informes de todas as grandes benfeitorias do governo Lula, decantadas com estrépito nos últimos dias, estes últimos dias antes do segundo turno. Não há muita dúvida sobre a eleição de Dilma, pensa, e relembra de algumas análises que leu no caderno de economia pela manhã. Relembra que esses analistas, de modo independente, apontaram que qualquer que seja o presidente eleito, deverá, de imediato, criar um novo imposto para cobrir os exorbitantes gastos públicos do governo Lula neste ano de eleições. Uma nova CPMF, como se disse lá.

Lembra-se também de ter lido que nunca houve tanta falsificação de índices superavitários, como foi o caso da Petrobrás, que ajuntou a venda de papéis futuros no índice de seu superávit primário. Um pouco aborrecido de saber dessas coisas, e com a propaganda estatal escancarada da Voz do Brasil a três dias das eleições, o aposentado do governo federal levanta-se e vai desligar o rádio.

Senta-se. Então vê o tumulto do outro lado da rua. Um carro preto desce lentamente pela contramão. Ante à indignação dos que sobem o fluxo, o carro preto avança sobre uma e outra calçada. O que há de gente na rua para e vê a cena, uns correm até o veículo, batem no vidro, mas o carro vai seguindo, incólume, até a L2, sempre pela contramão.

Enquanto isso, ouve-se uma espécie de orquestra popular iniciar seu repertório num dos bares ali por perto. Não se vê: ouve-se apenas. O sol continua, fulgurante, mas gotas grossas de chuva começam a descer. Ninguém se espanta, ninguém foge da ameaça da água. O carro na contramão dobra para a L2, de lá segue na contramão. Muita gente corre para ver o insólito.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Nas Nuvens





                 O jato deve ter sessenta lugares, duas filas de um lado, uma fila e o corredor do outro, o teto baixo. Sete da manhã, executivos, lobistas, mas também gente comum, em direção a Brasília. Da janela o garoto no colo da mãe contempla o colchão de plumas sob o avião, seus fiapos, seus ressaltos, seus afundamentos. Vez por outra rasgos longos. Daqueles rasgos despenham-se abismos.
                 O homem duas poltronas adiante segue o jornal, onde declara o chefe do banco central: “... ‘esse fluxo superabundante de dólares dos Estados Unidos está criando um aumento muito, muito substancial de liquidez em dólares para outros países e se tornando fonte de preocupações para os destinos da liquidez que está fluindo para alguns países específicos que tenham sistema de cambio flutuante’. Uma assessora esclareceu depois que Meirelles não estava criticando os EUA nem se referindo a cambio no Brasil, mas apenas respondendo a uma questão geral.”
                  A aeromoça serve sucos, refrigerantes, água mineral. E uma colação muito ligeira. Solapados pelo início de mais um horário de verão, a maioria dos passageiros ressona. O carrinho da aeromoça arremete contra um joelho descaído para o corredor. O homem recolhe a perna sem abrir os olhos.
                 A criança compreenderá talvez a liquidez nas nuvens; talvez por oposição à lembrança de seus últimos passos no solo do aeroporto acanhado de Campo Grande: o dia ainda estava fresco, um besouro de costas, lutando em sua lenta sina de agonia, que ele não desvirou: a mãe lhe explicara, noutra ocasião, da inutilidade do gesto nobre. Quando seu tempo alado se acaba, fugaz, o corpo pesa, as costas tombam para o chão, e então lutam, um tempo longo, incapazes de desmanchar a sina.
                 O colchão esfiapado das nuvens. Nada do enxame que o começo da invernada libera, nem percevejos nem besouros, nem mosquitos nem formigas e cupins alados dominam a atmosfera gélida, rarefeita, a liquidez quimérica das nuvens. 

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Frango, Supremo de Frango

para Renata Bueno

Então estamos já sabidos. Nada de pizza: no judiciário tudo termina no Supremo. Supremo de frango, bem entendido. Indecisões, compra de votos, ministros que advogam sem pudor pelo dirigente Lula, e não olvidemos a disputa para indicar à vaga aberta. É uma disputa pessoal entre o dirigente Lula, a futura dirigente do politburo nacional Dilma e o responsável pelas verbas do PAC Collor, do partido das capitanias hereditárias.
Dizem que o segundo turno será uma disputa entre o partido das capitanias hereditárias, que tem 500 anos de dominação, ou posse, e o partido dos ex-escravos, com apenas 8 anos de usucapião. Mas como por aqui o mais bobo almoça três com farinha, provado está que já se emparelharam em matéria de expertize, ou esperteza.
E se antes, outrora, com o partido das capitanias hereditárias, como se dizia e se achava, o Brasil tinha dono, e os descamisados recebiam lá uma pinga para agasalhar-se, agora, com o partido dos ex-escravos, é cada um por si e o Brasil é de quem pegar.
            Farinha, muita farinha do mesmo saco é o que vai sair das urnas. E é bom que se goste de farinha, porque o frango, o frango é só do Supremo.