Alex Cojorian
Jovem casal no
super.
Ele: “Acho que
nesta quinzena é hora de comprar café.”
Ela: “Eu já
peguei, amor.”
Ele: “Hum...
Não era melhor o médio?”
Ela: “Mas café
não estraga. Você acha melhor?”
Ele: “Você
pegou o extra-forte.”
Ela: “Ah... você não gosta?...”
Ah, o Amor. O frescor da juventude, a plenitude
sem nenhuma das armadilhas que o futuro engendra, a entrega sem nenhum dos lances
de xadrez mental para onde as relações terminam por moldar-se!
Mais tarde, alguns, muitos, mesmo os amorosos, findarão
por abandonar o jogo, agastados, esgarçados, em frangalhos pela refrega. Outros,
poucos, talvez acompanhem o movimento da efígie ensimesmada do Freud, a súbita
condição de impotência, a escolha pela condição de observador incondicional, o
prazer particular na descoberta das engrenagens. E apenas o poder que emana do
charuto entre os dedos.
Lawrence, nosso caro, amado e torturado D. H.
Lawrence, chegou, por seus próprios percalços, amorosos e dolorosos, ao mesmo
beco do ensimesmamento; ele, de rompantes e extremos, do amoroso idealista ao intratável
e agressivo, sentindo-se impedido, falido, para os combates de Vênus, fez por
sublimar sua condição no testamento amoroso que é Lady Chatterley, sem deixar
de crer, por um só momento, em amar, espírito e foda.
Apesar do achado de Lawrence, ainda assim, sublimar
não é bem um feito que se associe a prazer; parece mais com suprimir: insensibilize-se,
cauterize-se o órgão desejante, estanque-se a dor! E aquele jovem casal
rapidamente será uma miragem, um devaneio que nada trará de sublime
simplicidade aos indiferentes e achacados ex-combatentes de coração empedrado
que por entre o casal se esgueirem, mais preocupados com a mesquinha contabilidade
doméstica e cotidiana.
Quem sabe nessa hora tenebrosa, tudo
insensibilizado pelas luzes fluóricas, o sabor da vida se convertendo em
metálicos enlatados, ressonasse dos auto-falantes desse grande galpão a voz
séria, triste e jocosa:
Sei que é doloroso
um palhaço
Se afastar do
palco por alguém
Volta, que a
platéia te reclama
Sei que choras
palhaço
Por alguém que
não te ama
Enxuga os olhos
e me dá um abraço
Não te
esqueças, que és um palhaço
Faça a platéia
gargalhar
Um palhaço não deve chorar
Entre as prateleiras e seções, frios e
congelados, plásticos e embutidos, xampus e desodorantes, uma lágrima rolasse, corações
tocados pelo Nelson Cavaquinho, e se desse uma coreografia dos carrinhos e
transeuntes, conversa nenhuma, só arrebatamento e gesto, despojamento e tensão
dramática, toque e entrega entre desconhecidos de qualquer sexo, cada um se
reinteirando em cálida presença, em meio a verduras e queijos, o sentido da
pele, o reflexo dos nervos e dos músculos em meio a tomates, pães, temperos.
No centro desse movimento, entre frigoríficos, garrafas,
carnes, peixes, aves expostas, o jovem casal, na sua alegria leve, sem nada a
entender.

