Encontrei,
uns dois anos atrás, por acidente, Milton Cabral e Babinski tomando café na
Livraria Cultura; estava também um filho do Babinski, acho que fotógrafo,
Milton bastante emagrecido e debilitado, o lado esquerdo, especialmente o
braço, quase paralisado; ainda assim, com sua comum disposição jovial, algo
aristocrática, o aperto de mão forte, o sorriso quadrado e cheio de dentes que
tanto o caracteriza, a voz tonante carregada no sotaque do Nordeste, elementos
que tantas vezes me fazem rir ao rever sua imagem – pra mim era vê-lo aproximar-se
e lembrar-me de súbito do alemão e sádico marido de Martha, do Fassbinder: “Meu
querido!”
Dizem que foi discípulo de
Barthes; dizem que nasceu em Natal, mas que cresceu em Fortaleza; dizem que se
graduou em Letras na UFG, que deu aulas no departamento de Comunicação da UnB,
que dirigiu o curso de Desenho Industrial na mesma instituição, que fundou o
curso de Comunicação e o mestrado na PUC/DF; dizem até que ele mentia um
bocado, ou melhor, que era esguio, se esquivava; que era vaidoso e usava cremes
para a pele; que sempre trocava a idade, e assim os hagiológios ora o deram por
potiguar ora por cearense, sem saberem
ao certo se encetou sua viagem, pouco depois de nosso encontro, aos 75 ou aos
64; em algum momento ele se tomou de estima pelo controverso Humberto Haydt e
andou pelo Colégio Freudiano de Psicanálise de Brasília; tinha um consultório
em cima do Café Martinica, e costumava, já à noite, vir beber no balcão e,
dizem também, comentar seus atendimentos, espairecer a cabeça no mesmo balcão.
O Martinica nunca foi nenhum Cabaré Voltaire mas, ainda que ninguém entrasse
chicoteando, mesmo assim muitas vezes saía-se chicoteado com as conversas insanas
alimentadas pelas goelas sedentas, mesa ou balcão.
Fora talvez um ditador idiossincrático em sala, eu
não saberia dizê-lo; sei que foi, desde sempre, simpático à minha figura; nossas
conversas costumavam girar sobre temas eruditos, ele um curioso perguntador,
cioso das minhas produções, especialmente dos livros de gravuras das Edições
Civilização Arcaica (http://goo.gl/wTlF1); de
seus comentários sempre restava uma borra de invectiva contra a chusma ignorante.
Nesse dia Babinski estava bem feliz e falador, e me segurou na conversa o
máximo que pôde. O polonês, entre seus amigos de idade mais próxima, abandona o
tom de aconselhamento professoral – seus alunos o amam como ao mestre mais
querido, ele tem opinião sobre tudo, e todos têm alguma frase ou passagem para
relembrar daquele dia em que buscaram seu parecer –, e passa a contar casos e a
fazer anedotas, ele próprio sendo o primeiro a rir – nos últimos tempos vem com
uma piada de bolso de húngaros para mim: “você conhece o doutor Pícoch no cu?”
Uma vez perguntei-lhe por que não ficou em Montreal nos anos cinquenta, naquela
cena de jazz e arte florescente, ele respondeu qualquer coisa como: “Eram uns
babacas, era tudo muito comportado”. Aliás, naquele seu livro de entrevistas
(aqui, com suavidade: http://goo.gl/FvfUb),
ele diz claramente que escolheu vir para Uberaba, que escolheu juntar-se com
mulher negra, porque queria estar do outro lado – mas ele, muito branco,
polaco, largo e comprido, a cabeçorra, ele não falou das leis da atração... A
preferência pela gravura, pela arte menor, de antemão uma escolha para fora do
caminho?
Finalmente levantei-me, ficaram
ambos, o gravador libertário e o sado-psicomunicólogo – mas de fato, a seu
próprio modo, outro libertário –, todos visivelmente realizados com o encontro.

oi alex
ResponderExcluiro milton já não pode, mas o babinski deve ler.
abs
Atirei no que vi e acertei no que nao vi. Viva o Google.
ResponderExcluirSou filho do Milton Cabral e amigo do Babinski.
Parabéns pelo texto e, principalmente, pelo desenho.
Um abraço,
Álvaro Viana
Lindo texto... fiquei imaginando agora o sorriso do mestre Cabral.
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